OPINIÃO
Pode um psicólogo ser católico?
15/11/2016
- 06:48
Guardemos a mordaça e lembremos
os ensinamentos do bom e velho Stuart Mill: nunca devemos impedir de falar as
pessoas que acreditamos estarem erradas.
Indignação da semana: Maria José Vilaça, psicóloga e responsável da Associação dos
Psicólogos Católicos, disse nas páginas da revista Família Cristã que
era possível aceitar um filho homossexual sem aceitar a homossexualidade. “Eu
aceito o meu filho, amo-o se calhar até mais, porque sei que ele vive de uma
forma que eu sei que não é natural e que o faz sofrer.” E acrescentou: “É como
ter um filho toxicodependente, não vou dizer que é bom.” Esta frase provocou o
habitual incêndio das redes sociais e dezenas de queixas na Ordem dos
Psicólogos, que emitiu um comunicado onde recorda que nas suas intervenções
públicas os psicólogos estão obrigados a “observar o princípio do rigor e da
independência, abstendo-se de fazer declarações falsas ou sem fundamentação
científica”. De seguida (1), a Ordem anunciou ir participar o caso ao Conselho
Jurisdicional por considerar tais declarações “de extrema gravidade”.
Cá está – um piscar
de olhos e já se foi longe demais. A opinião que eu tenho em relação às
declarações de Maria José Vilaça é igual à dos indignados: discordo
profundamente dela e acho a comparação entre um filho homossexual e um filho
toxicodependente de uma infelicidade extrema. Parece-me, por isso,
perfeitamente natural que as pessoas manifestem a sua discordância pública em
relação à senhora e que as redes sociais se incendeiem (2) , como de costume. Nada
contra até aqui. Tudo contra a partir daqui: há um momento, altamente
desagradável, mas cada vez mais recorrente, em que se passa do direito de
discordar para o desejo de despedir. As pessoas deixam de se limitar a criticar
Maria José Vilaça por ter dito uma tontice (3) , e a rebater a sua opinião com
argumentos sustentados, e passam a defender que ela deve ser silenciada e
proibida de exercer a sua profissão porque, pelos vistos, hoje em dia não se
pode ser psicólogo e ao mesmo tempo considerar a homossexualidade uma prática
“não natural”.
Mas será que não se
pode mesmo? É que se não se pode, como a Ordem dos Psicólogos parece defender,
se passou a ser uma coisa tão inadmissível como a prática da lobotomia para
curar doenças mentais, então há aqui uma notícia muito maior do que as
declarações de M.J. Vilaça, e que está tristemente a passar ao lado da
comunicação social. A primeira frase de todos artigos sobre este tema deveria
ser esta: “A Ordem dos Psicólogos Portugueses defende que um católico que
aceite os ensinamentos da Igreja em relação à homossexualidade não tem
condições para ser psicólogo e deve abandonar de imediato a sua profissão.”
Esta é a notícia, meus senhores. Mandem imprimir, enviem para o Vaticano e
informem o Papa Francisco.
Guardemos a mordaça
e lembremos os ensinamentos do bom e velho Stuart Mill: nunca devemos impedir
de falar as pessoas que acreditamos estarem erradas. Ao exporem as suas ideias,
temos uma excelente oportunidade para as rebater e mostrar aos outros a
superioridade dos nossos argumentos. Infelizmente, é cada vez menos isso que
estamos a fazer. A linha entre o confronto de ideias e o silenciamento de
ideias está a ser ultrapassada vezes sem fim, criando uma pressão insustentável
sobre quem pensa diferente de nós. Depois espantamo-nos que as pessoas mintam
nas sondagens sobre a sua orientação de voto e acabem a colocar a cruzinha em
Donald Trump quando ninguém está a ver. Numa sociedade livre, a resposta a quem
diz parvoeiras não é “cala-te!”. É, isso sim, “que argumentos tens para
defender tamanha parvoíce?”.
1) Explicitar o esqueleto construtivo do texto.
2) Expor tipo de modalidade textual
3) Traços dialógicos
4) Estabelecer campos sémicos de palavras tipo "tontice, parvoíce, parvoeira, ..."
1) Explicitar o esqueleto construtivo do texto.
2) Expor tipo de modalidade textual
3) Traços dialógicos
4) Estabelecer campos sémicos de palavras tipo "tontice, parvoíce, parvoeira, ..."
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