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Escrito desde o confinamento


Desde a segunda semana de março de 2020, fomos elaborando este escrito, fruto da cocriação e dos momentos difíceis que vivemos. Neste sentido é um contributo vivo e fugidio,  peremptório, momentâneo, provisório, temporário e transitório. 

 

Nasceu em potência mas foi evoluindo como uma corrente sem elos através de uma dúcia de criadores companheiras que emprestaram o seu tempo para deixar correr a tinta, seiva coletiva esbatida pelas horas de agonia e desesperança, sem um norte nem um título, aos solavancos.

 
Não somos o contador, nem o professor, nem o reformado, nem o engenheiro de software Também não o escritor nem o leitor deste conto. Ou pelo menos não somos da maneira como imaginávamos. Não estamos separados nem isolados, encontramo-nos em estado de fluxo. Estamos feitos de elementos que dançam.
Como tudo o resto somos ao mesmo tempo presença e separação.

Somos como as janelas daquela quinta em que vivi há muitos anos, os seus vidros pareciam tão sólidos como os de qualquer outra janela. Eu podia bater no vidro e ouvir o nítido som dos nós dos meus dedos quando tomavam contato com a fria superfície.


Isolada no meu quarto passava o tempo entre livros e brinquedos, aguardando a chegada do meu pai, que voltava de visitar a minha mãe no hospital, onde ficava internada por uma grave doença desconhecida que consumia a sua vida.
Naquela altura, as tempestades davam-me muito medo porque achava que tinham algo de apocalíptico e de princípio. Depois de amainarem, chegava o fim do meu pequeno mundo e o começo de outro. Melhor ou pior, mas diferente. Sim, as tormentas assustavam-me. Colocavam-me no meu lugar. Ainda hoje lembram-me que sou mínima, vulnerável e por isso tenho saudades delas.
Como tudo o resto somos ao mesmo tempo presença e separação.


A minha vida mudou totalmente dois meses depois daquele insólito acontecimento mas as lembranças da minha vida de criança faziam-me sentir relativamente tranquila. As inúmeras alterações tinham-me feito ser muito mais prudente, mais meticulosa, mais intratável, mais esquiva, mais …, do que eu fui. Aquela esquisita data não será esquecida por mim nunca, 13 de março.

Dois dias antes daquele dia tinha ido ver uns colegas os quais me falaram duma anedota que estaria irremediavelmente relacionada com essa mudança radical. Falaram dum idoso que parecia perdido na rua. Dava sinais de uma grande desorientação e confusão. Estava indubitavelmente perturbado por alguma coisa que todo o mundo desconhecia.

Algum motivo desconhecido mas possivelmente real.
Por vezes o controlo da mente esbate-se mas normalmente conserva as referências do real.
Essa realidade é procurada por pessoas que olham à frente delas de outro jeito.
Será que a pessoa no seu afastamento da realidade, no seu isolamento pode comunicar algo?
Será que se poderia vir a conhecê-lo ?
Poder-se-ia ir de encontro dessa ideia de partilha e também de ajuda.
O investimento pode ser todo um desafio.
O encontro da realidade dentro do irreal por curiosidade, por empatia, mas também por ajuda.
Desses pontos “impulsionadores” a mudança radical virá a produzir-se quando se tome o último como ponto de partida.
E assim foi que a última invasão de formigas que viveram na casa dos avós da Campa foi o ponto de partida da nossa fortuna familiar.
O avô tinha usado com escassos resultados sal nas gretas das janelas e portas para impedir a entrada dos bichinhos que se arrastavam formando manchas tão grandes que eram assustadoras mesmo para ele, que tinha lutado na Grande Guerra.
O tio, que era o técnico da família, botou-lhes músicas de tons que segundo ele repeliam qualquer maneira de vida. 
Mas nem o avô , nem o tio conseguiram expulsar as formigas da casa da Campa. Foi a avó com seus conhecimentos de culinária que achou num dos seus temperos para o frango o veneno que deu cabo das formigas. A travessa na que servira o frango, apareceu cheia de um molho negro no que boiavam os bichos invasores. Esse molho foi o antídoto que registou e comercializou com grandíssimo êxito o tio técnico.
E foi assim que se passou a mudança da nossa família. E é por isso que a avó é chamada a "mulher dos bons temperos".
Foi a avó quem governaria a família até que o nosso irmão mais velho chegou à idade de vinte anos. Foram os últimos quinze que a avó governou a família por falta de nossos pais que foram embora para trabalhar na França.
 Na altura da década de sessenta o norte de Portugal era muito pobre e o trabalho na agricultura de subsistência não era suficiente para dar de comer à família. Foi nesta década quando aconteceu um grande êxodo de Portugal. Quase um 40% da população de todo o país foi-se embora. Sendo a França o destino mais escolhido.
Na França, os principais pontos de chegada foram Paris e as cidades mais populosas. Um grupo menos numeroso instalou-se em Lila de onde partiram umas poucas famílias para Gante. Foi um velho livreiro da cidade que, conhecendo a chegada dos portugueses, procurou na nova comunidade uma pessoa ilustrada nas letras. Trazia nas suas mãos um manuscrito, bem conservado, mas antigo. Uma capa, acrescentada em época mais tardia, intitulara: “A verdadeira história do Fernão Mendes Pinto como ela foi escrita, completa e sem censura. Cópia feita pelo Rabi Joseph Galego de um manuscrito trazido por um marinheiro à cidade de Amesterdão”.
Olhar aquela capa e aquele nome fez-me lembrar a moeda comemorativa que em 2011 me ofereceste (e que ainda conservo) quanto descobriste a minha paixão pelas histórias dos exploradores da Idade Moderna. Mas não quero descambar-me do assunto. Pronto! A seguir abri o manuscrito com muito cuidado, pois o seu estado era muito delicado. Algumas folhas se perderam, outras ficavam descosidas ou roídas pelos insectos... A caligrafia, feita com pluma, fez-me viajar no tempo. A tinta também estava deteriorada, esbatida. Nalgumas partes era impossível apreciar cor nenhuma. Cheguei-me ao candeeiro para tentar perceber, decifrar o seu conteúdo. 
Graças à luz do candeeiro pude distinguir que não eram palavras o que a caneta tinha feito no papel, senão desenhos. Parecia um mapa feito com letras e talvez havia alguma mensagem oculta no texto. O mapa era o de uma cidade velha e as palavras que percebi eram nomes. Procurei as primeiras delas e comprovei que pertenciam a personagens famosas. Então entendi, tratava-se da planta duma cidade. Pensei que todos esses nomes teriam uma relação entre eles e assim foi. Todos eles eram de mulheres que foram queimadas no lume por serem consideradas bruxas. A seguinte questão era por que recebera eu essa carta e quem a tinha enviado. 
 
Agora compreendemos o porquê nos tinha chegado aquela carta contando aquelas coisas, e por que precisamente a nós. Hoje, um ano mais tarde, estamos apresentando o livro que recolhe todo o legado histórico-científico-filosófico daquelas quatro mulheres adiantadas ao seu tempo. Esperamos que resulte do interesse de Vossas Excelências. 
 
Logicamente que este livro reunia apenas algumas das considerações mais importantes da magnifica vida daquelas mulheres ilustres. Não só os seus feitos eram importantes, mas também o testemunho que nos deixavam sobre a ciência. 
 
O livro será uma compilação das principais descobertas e esperamos que seja de especial interesse para as gerações futuras, além disso, gostaríamos também de propor a sua condecoração a título póstumo, sendo que as suas descobertas revolucionaram o mundo tal como o conhecemos. Propomos também a doação de parte dos lucros da venda do livro a instituições direcionadas às causas tratadas no livro, bem como à sua investigação.
 
Será algo conhecido não só no país, como também no mundo, já que a ciência é uma causa universal.  Mas nós não somos o contador, nem o professor, nem o reformado, nem o engenheiro de software Também não o escritor nem o leitor deste conto. Ou pelo menos não somos da maneira como imaginávamos. Não estamos separados nem isolados, encontramo-nos em estado de fluxo. Estamos feitos de elementos que dançam.
 

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