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Retratos de Identidade Feminina nas Obras de Lília Momplé

Retratos de Identidade Feminina nas Obras de Lília Momplé


A mulher como ser em trânsito na História Moçambicana
(DISSERTAÇÃO DE MESTRADO)
(Pp. 118-121)


Ao analisar o tema da mulher como ser em trânsito na história moçambicana, focando-nos nos retratos de identidades femininas nas obras de Lília Momplé, deparamo-nos com duas visões essenciais: as sofredoras (mulher como objeto, traída e rejeitada, alvo de violência doméstica e inferioridade da como ser) e as lutadoras (vozes de oposição à tradição através da emancipação do ser feminino). 
Ao narrar o quotidiano da mulher moçambicana nos tempos coloniais e pósrevolução, Momplé utilizou como mecanismo de denúncia a palavra para chamar a atenção para temáticas como a prostituição, o assédio sexual, a violência doméstica, o ensino, o preconceito, a segregação social, de género e racial e a infidelidade. 
Nas suas três obras, a escritora Lília Momplé segue quase sempre a mesma linha para caracterizar a mulher africana, a do belo. São-nos apresentados diversos retratos de beleza, exaltando os atributos físicos do ser feminino, um ser exótico e estereotipado como atraente, sensual, objeto de cobiça do desejo sexual do homem. 
Podemos constatar que as protagonistas femininas nas obras da escritora moçambicana caracterizam-se, na maioria dos casos, como pessoas com destinos trágicos, que nos seus percursos de vida sofreram algum tipo de violência física, sexual, sociocultural ou psicológica. 







Sob jugo colonial, surgem Aidinha e Suhura. Vítima de violência sexual, Aidinha escolhe o caminho da prostituição, enquanto Suhura é brutalmente violada e assassinada sem ter tido poder de decisão. Quotidianamente humilhadas, Celina, Alima, Muntaz, e até a própria Lília Momplé, pertencem ao grupo das vítimas de discriminação sociocultural, ao serem alvo de preconceito em relação à sua raça, género e posição social. 
No cenário pós-colonial é Narguiss, Mena e Leia, que representam a situação da mulher ainda martirizada pelo sistema patriarcal baseado na superioridade do homem, no qual lhes é negada a realização das suas ambições e aspirações, demonstrando, assim, que do tempo colonial para a pós-revolução a situação da mulher não mudou tanto quanto seria esperado. 
Notamos, porém que as protagonistas das obras pós-coloniais, OCV e o romance NGB, transitam de vítimas para lutadoras, procurando construir e estabelecer uma nova identidade. De obedientes, submissas e pouco críticas no início da “viagem”, modificam-se perante as situações que as inferiorizavam, relacionadas com posição de óbvia injustiça em que estavam inseridas, ao questionar e refletir acerca da ordem estabelecida. Mudam, desta forma, o rumo das suas vidas. 
Após esta abordagem geral, podemos concluir que estes seres femininos são entidades ficcionadas numa realidade conhecida, que povoam e sobrevivem num mundo dominado por uma visão masculina, mas que ao obter experiências e valores começam a equilibrar a realidade. Nasce, assim, uma mudança tanto necessária como possível, com o intuito de encontrar um sentido, um rumo, uma nova direção a seguir. 
As mulheres que dão vida ao terceiro capítulo desta dissertação possuem uma relação simbólica com o rio. Fonte de vida e de morte, espaço sagrado em muitas culturas africanas, aproxima-se à ideia de romper aproxima-se à ideia de romper com uma tradição imposta de inferioridade do ser feminino. Como o rio que abre caminho, a mulher faz ouvir a sua voz ao reclamar um lugar por direito na sociedade como ser igualitário. A água, portanto, caracteriza estas mulheres como símbolo de movimento em direção a um futuro próspero, desaguando no oceano, onde todas as águas se combinam e igualizam.
 Ao utilizar como inspiração as “estórias” de gentes moçambicanas, a escritora cola as peças do vivido e ao chamar à atenção para acontecimentos históricos, recompõe, através de um mosaico, a história individual, mas também coletiva de um Moçambique marcado pelo domínio colonial e de conflitos do pós-revolução. Os textos ficcionados de Momplé surgem como o instrumento que a moçambicana utiliza para expor um painel de crimes surgidos pelo preconceito e violência, e que provocam sofrimento, denunciando-os com o intuito de poder modificar comportamentos e escolhas. 
É necessário termos conhecimento do nosso passado, do nosso percurso como indivíduos, como eu coletivo para sabermos como traçar o nosso presente e o rumo do nosso futuro. A nossa história é construída dia após dia, um pano de fundo que servirá como exemplo e fonte de inspiração para gerações futuras. Lília Momplé conduz-nos à descoberta de caminhos já percorridos com o intuito de transmitir a história que ficou na neblina do desconhecido. 
Momplé chama a atenção para a carga simbólica do género na edificação das relações de poder, numa sociedade na qual as leis tradicionais no que dizem respeito à mulher são de extrema importância e onde a igualdade de oportunidades ainda está longe de ser considerada uma realidade. Trata-se, assim, de dar início a um processo de consciencialização dirigido tanto a mulheres como a homens acerca de certos valores éticos, sociais e morais necessários para garantir a emancipação do ser feminino e o equilíbrio social. 
As personagens femininas que surgem sob o signo da transgressão personificam uma quota mais alargada de mulheres moçambicanas que procuram uma maior visibilidade, em oposição à existência submissa e apagada das suas antepassadas. Trata-se de seres femininos que vivenciaram angústias próprias, cindidas entre a tradição e a modernidade, um caminho a ser percorrido para uma maior consciencialização da necessidade do direito e da igualdade entre os dois géneros. 
Pode-se dizer, finalmente, que a escrita da escritora moçambicana em análise se modela entre a tradição e a transgressão do modelo estrutural da mulher moçambicana que transita do período colonial para o pós-revolução. Apesar de ainda silenciadas por fortes tradições, as personagens femininas vivas no universo literário de Momplé surgem como símbolo de esperança e imposição, ao emergir como seres com indícios de emancipação. De facto, são escritores como a Lília Momplé que surgem e complementam o espaço da literatura, como fonte de saber de um período histórico que aos poucos e poucos se vê desvendado os seus segredos. 
A escritora de NGB escreve as suas “estórias” a partir da história, e, ao utilizar a realidade moçambicana como inspiração, emprega a literatura como ferramenta de valorização e/ou denúncia. Ao transferir pormenores da sua história de vida para uma personagem, utiliza o narrar como catarse referindo-se ao individual e ao coletivo. Segundo Rui Barbosa, a “ palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade”. Neste caso, suscita igualmente o libertar dos males da alma. 
De grande valor histórico e literário o legado artístico da escritora moçambicana suscita nos leitores vontade de luta contra qualquer forma de discriminação. É, por isso, que escolhemos finalizar a nossa conclusão com as citações, verdadeiros lemas, que marcam a leitura das três obras de Momplé:


A liberdade é voluntariamente concedida pelo opressor; deve ser exigida pelo oprimido. 
Martin Luther King 
Feliz do povo que sabe transformar o sofrimento e o desespero em arte e amor. 
Lília Momplé 
Quem não sabe de onde vem não sabe onde está nem para onde vai.
Lília Momplé




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